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O gestor de departamento jurídico interno em parceria com a área de compliance

Os programas de integridade implantados pelas empresas, diretamente ou através de intermediários buscam estabelecer e estruturar as regras que deverão ser observadas por seus colaboradores, tanto nas tratativas entre si como naquelas relativas aos entes alheios ao ambiente corporativo

No cenário brasileiro o termo compliance ganhou notoriedade com os escândalos de corrupção divulgados nas manchetes de jornais, no entanto, o modo de agir em conformidade precisa evoluir no ambiente corporativo nacional.

Naturalmente, sem o envolvimento da alta gestão da corporação não só na multiplicação das informações, mas também na observância dos dispositivos, participação nas reuniões afetas ao tema e na defesa da independência, inclusive financeira, da área, os regramentos de integridade perdem adesão da coletividade.

Desta forma, temos que no nicho empresarial brasileiro o instituto ainda é recente e carece de regulamentação, principalmente com relação ao compliance trabalhista, que, quando efetivo, fatalmente contribuirá para a minoração do passivo obreiro da corporação.

O mencionado compliance trabalhista busca harmonizar a atuação da empresa com as normas trabalhistas, sejam elas internas, tais como os regulamentos internos das empresas, ou externas, como a legislação trabalhista e os acordos e convenções coletivas de trabalho. Estas últimas negociadas entre as empresas e os sindicatos ou entre os sindicatos laborais e patronais, mas aplicáveis no âmbito da empresa.

Assim, temos que o setor de Compliance da empresa abrange e repercute na esfera laboral e debruça-se sobre a força de trabalho em sentido positivo, ou seja, vela pelo adimplemento da legislação trabalhista e pelo comportamento conforme da gestão da corporação.

Neste rumo, podemos entender como imperioso o relacionamento e o envolvimento mútuo dos departamentos de Compliance e Jurídico da empresa, vez que o suporte do setor jurídico será de grande valia desde os primeiros passos da formação do Programa a ser implantado até a avaliação das medidas judiciais cabíveis para o caso de desatendimento aos regramentos do Regulamento de Conformidade, sobretudo no que diz respeito à esfera laboral, posto que um dos públicos mais afetados com a implantação da Cultura de Integridade é o corpo de colaboradores da empresa.

A relação dos departamentos jurídico e de compliance precisa ser íntima e não só voltada para que o setor de integridade forneça evidências de adoção de Programas de Conformidade ou da existência de Código de Ética na empresa para que o jurídico interno use como provas judiciais para afastar responsabilização da empresa em ações cíveis, mas também na confecção do programa, instalação/divulgação e na execução das decisões, obtendo eficácia na aplicação da legislação obreira, melhorando a relação empregador empregado e, consequentemente, reduzindo o número de reclamatórias trabalhistas e de procedimentos administrativos por não conformidade em relação às normas trabalhistas.

Considerando, no entanto, que o escopo deste trabalho versa sobre os efeitos desta relação na redução do passivo trabalhista, passemos a exemplificar momentos nos quais a ação conjunta dos líderes das referidas seções da empresa efetivamente contribui para que a empresa seja menos afetada por demandas trabalhistas.

Inicialmente, necessário esclarecer que a intenção do presente estudo não é exaurir todas as oportunidades de trocas entre os agentes de conformidade e o departamento jurídico, tampouco versa sobre todos os tipos de empresas, mas pretende demonstrar de modo genérico que a relação íntima é útil e imprescindível para a redução do passivo trabalhista e da melhoria da visão institucional da empresa junto ao judiciário e órgãos de fiscalização trabalhista.

Para estruturação do programa de conformidade adequado ao ramo empresarial, são necessários estudos de risco da atividade, bem como das normas às quais a sociedade está vinculada a cumprir, sejam elas nacionais ou estrangerias, conforme a atuação e posição de mercado da empresa.

Neste momento primário, o departamento jurídico é forte contribuinte para uma correta interpretação e seleção do que, dentro do arcabouço jurídico, deve ser levado em consideração pelo time de conformidade. Neste sentido, citemos a título de exemplo, e dentro da seara trabalhista, a análise sistemática que o departamento jurídico pode providenciar e disponibilizar acerca dos instrumentos coletivos, sua vigência e impactos nas obrigações do empregador.

Ainda com relação à implantação do programa, é valioso o apoio do jurídico interno na redação ou contribuição para o código de ética ou de conduta, internalizando no regulamento de empresa vedações e orientações cujas consequências podem ser medidas disciplinares e até mesmo a resolução do contrato por justa causa, por iniciativa do empregador.

No desenrolar do programa, o gestor departamento jurídico pode atuar apoiando nos treinamentos, nas redações dos comunicados e textos que visem a publicidade do programa e das normas de conformidade da empresa, bem como na sedimentação da cultura, enfatizando em suas apresentações a relevância da matéria e os impactos judiciais que o não atendimento pode gerar para a empresa.

De relevância também que na execução do programa, o líder do jurídico, ou pessoa por ele indicada, participe dos debates levados ao comitê de ética da empresa, ou colegiado outro que seja criado para discussão e julgamento de casos denunciados ou investigados pela área de integridade.

Ademais, a análise da medida disciplinar, administrativa e até judicial cabível contra ato atentatório aos regramentos de compliance trabalhista da empresa também deverá ser feita pelo corpo jurídico do empregador, sendo certo que o gestor jurídico deverá analisar, inclusive, como seu deu o fluxo de apuração da violação.

A título de exemplo, analisemos o caso hipotético de uma denúncia anônima feita à Procuradoria Regional do Trabalho, na qual o denunciante aduza que enquanto empregado da empresa foi alvo de assédio moral praticado por seu supervisor imediato. O jurídico, trabalhando na defesa do caso, pode se valer do apoio do setor de conformidade para prepará-la, solicitando: comprovação de treinamentos sobre práticas positivas e éticas aos quais tenha sido submetido o gestor denunciado, evidências da manutenção de código de ética, canais de denúncia e cultura de rechaça ao assédio moral, checando se há denúncia interna em mesmo sentido em face do gestor direto e qual o resultado da investigação feita pela área. O objeto desta interação pode robustecer a defesa da empresa no sentido de que não estimula o comportamento apontado e até mesmo desconstituir a denúncia, caso se verifique que jamais o colaborador denunciado ao Ministério Público do Trabalho foi denunciado internamente para empresa, obstando qualquer tomada de providência.

Ante ao todo exposto, resta evidente que o operador do direito ocupante da posição de líder do departamento jurídico interno, quando atua em a parceria com o setor de compliance não só fortalece a cultura de conformidade da empresa perante o time diretamente vinculado a ele, traz força e publicidade para o programa de integridade da empresa e fortalece a defesa da corporação perante os órgãos de fiscalização trabalhista e da própria justiça especializada.

Desta forma, imperioso se concluir que o trabalho do gestor de departamento jurídico que se alia, colabora e promove trocas com o departamento de compliance da empresa fatalmente levará a redução do ajuizamento de demandas trabalhistas, pois reforçará não só a sedimentação da cultura de “agir em conformidade”, mas pautará as decisões do empresariado no sentido de preservar a relação com o corpo de empregados, tornando a empresa uma cumpridora das normas trabalhistas e, por consequência, uma respeitadora dos direitos dos empregados, além de fomentar a resolução interna dos conflitos.


Fonte: JOTA, por Áurea Scarano do Amaral

18 fev. 2019